O "rato" que não é rato e a cegueira que é típica dos humanos



Por Paulo Furstenau*


O vídeo de um suposto rato tomando banho viralizou na internet na última semana. A maioria das pessoas, que se encanta ao ver animais humanizados, adorou a imagem do bichinho coberto de espuma e se esfregando como se estivesse tomando banho - chegaram a compará-lo ao ratinho do programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum, que toma banho feliz e cantando.

Algumas poucas pessoas esclarecidas logo viram que ali tinha algo de errado. A começar pela espécie do animal, que não é um rato. Chegaram a cogitar ser um tenreque, um mamífero de Madagascar. Mas o animal é mesmo uma pacarana (ou paca-de-rabo), um roedor encontrado na Floresta Amazônica, Peru, Equador, Venezuela, Colômbia e Bolívia.

O vídeo foi tão compartilhado que sua origem se tornou desconhecida, mas não tardou para que um peruano reivindicasse sua autoria. Segundo essa pessoa, o animal apareceu enquanto ele estava no banho, e começou a se ensaboar também. História muito mal contada, mas não temos como saber todos os detalhes sobre maus-tratos e possível confinamento daquele ser vivo.

O fato é que os movimentos feitos pela pacarana, de pé e se esfregando, realmente são típicos dessa espécie, que faz isso para se limpar. Mas a espuma de sabão não é. Na natureza, os roedores de modo geral se esfregam nas vegetações secas e em cascas de árvores para se limpar. Aquele animal estava claramente tentando se livrar de um produto incômodo (e possivelmente tóxico) para ele - roedores não devem ser submetidos a banhos como conhecemos para cães e gatos (hamsters e chinchilas domesticados, por exemplo, se limpam com pó para banho seco).



E a história não parou aí. Agora circula um novo vídeo de uma outra pacarana em cima de uma mesa, ao lado de garrafas de bebida à venda, com uma bolsinha pendurada no pescoço onde se lê "colabore aqui", com um ser humano atrás segurando o animal e outro de pé sorridente e passando a mão no bicho. As pessoas que estão compartilhando o vídeo afirmam que essa é a prova de que o animal coberto de espuma não estava sendo submetido a maus-tratos porque esse movimento é natural dessa espécie, ficar de pé e se esfregando.

Em primeiro lugar: sim, o animal costuma ficar de pé e se esfregar, mas isso não quer dizer que a espuma de sabão seja inofensiva. Em segundo lugar, e mais importante: as pessoas não entendem que a cena do segundo vídeo é ainda pior. O que elas pensam? Que o animal é sócio da criatura humana que o segura; que, ao final do dia, os dois vão dividir o dinheiro obtido e a pacarana vai voltar para sua casa com o sustento da família e descansar de um dia de trabalho? As pessoas não são capazes de enxergar o que está bem diante de seus olhos: um animal que foi tirado de seu ambiente natural e agora vive aprisionado, dentro de uma gaiola ou acorrentado, sendo explorado por um humano para ganhar dinheiro, comercializado assim como a bebida engarrafada ao seu lado.

Não, esse segundo vídeo não redime o anterior, muito pelo contrário. Ele só mostra uma cena de crueldade ainda mais explícita e como a maioria das pessoas está completamente cega a isso, pois considera os animais como criaturas que existem com o único propósito de lhes servir - como comida, vestimenta, mão de obra e entretenimento. E se o animal age de forma similar a humanos - seja naturalmente como os movimentos da pacarana, seja forçado como "elefantes pintores" e cachorros que andam sobre as duas patas traseiras e vestidos como humanos -, os aplausos são ainda maiores, pois o bicho-homem acha lindo ver animais se comportando como ele.

O segundo vídeo revela - do lado do explorador e dos turistas sorridentes e posando para fotos - as faces mais lamentáveis do ser humano: exploração de criaturas mais frágeis e que considera inferiores, cegueira (ou, no mínimo, uma total falta de empatia) e um egocentrismo imensurável.



Conheça aqui outros exemplos de crueldade contra os animais usados como "atrações" turísticas. De antemão, já saiba que sempre que houver animais junto a humanos cobrando dinheiro - para passeios, para passar a mão nos bichos, para posar para fotos etc. etc. -, isso significa apenas uma coisa: EXPLORAÇÃO, ou seja, animais que foram tirados de seu ambiente natural e aprisionados para o resto de suas vidas, sendo submetidos a diversos tipos de maus-tratos por seus algozes humanos, que ganham dinheiro em cima da infelicidade e sofrimento de criaturas inocentes. E você pode fazer sua parte contra tamanha barbárie, simplesmente não dando dinheiro para essas pessoas. Boicote essas "atrações"! Não financie maus-tratos! E divulgue essa realidade a todos os seus conhecidos!


*Paulo Furstenau é jornalista voluntário da Associação Natureza em Forma

Fotos e vídeos: Reprodução  

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