Psicóloga fala em entrevista sobre o luto e a perda de um animal de estimação



O falecimento de um ente querido, independentemente da espécie, pode ter um efeito devastador na vida do enlutado. No caso de perda de um animal de estimação, ainda há o agravante que os tutores precisam lidar com o preconceito de ter sua dor por vezes menosprezada pela sociedade.

Mesmo sendo um período muito pessoal, no qual cada indivíduo lida da maneira que sabe e pode, conhecer e entender o processo do luto pode ajudar a compreender o turbilhão de emoções inerentes à perda.

O Portal do Dog entrevistou a psicóloga Maíra Simeão*, que deu um olhar com mais clareza a um dos momentos mais complexos e dolorosos da vida: a morte.

Confira abaixo a entrevista.

O que é o luto?

O luto é uma reação esperada diante da perda de algo significativo para o indivíduo, em que estão presentes diversas reações emocionais e fisiológicas, geralmente repercutindo nos mais diversos âmbitos da vida do enlutado. De modo geral, pode ser uma experiência bastante dolorosa e desorganizadora, mas é necessária para a superação da perda, e é fundamental que durante essa fase o enlutado possa manifestar seus sentimentos como forma de ir se organizando e se adaptando às mudanças ocorridas.

Quais sentimentos são comuns em pessoas que experienciam o luto?

São inúmeros os sentimentos que podem eclodir diante de uma perda. Há a negação, quando a pessoa tenta evitar o contato com a perda, não aceitando; há a raiva ou revolta, quando a pessoa se questiona por que isso aconteceu com ela, se ela merecia etc.; há saudade e a necessidade de buscar e recuperar a figura perdida; há o choque, a depressão e desorganização, culpa, ansiedade, irritabilidade, solidão, desamparo, fadiga, pode vir também o alívio etc.

Quem procurar nesse momento para auxiliar na perda?

O auxílio pode vir de um profissional, grupos de apoio, amigos e familiares.

Quando seria a hora de procurar um profissional?

Quando a pessoa sentir necessidade. Pode ser logo após a perda ou tempos depois. Muitas pessoas só veem necessidade de procurar um profissional quando sentem que seu processo de luto está muito prolongado ou vem se desenvolvendo de forma “atípica” ou “patológica”, porém, trabalhar a dor pode auxiliar em sua elaboração em qualquer tempo, mas claro que o quanto antes, melhor.

Por que há tanto preconceito com a dor sofrida na perda de um animal de estimação? Muitos escutam: “Ah, era só um cachorro” ou “Adota outro”.

Mesmo com o conhecimento de toda a existência e expressão do vínculo afetivo entre homem e animal, a sociedade não aceita o pesar causado pela morte de animais de estimação, minimizando e menosprezando esse luto. Há um preconceito em aceitar que alguém chore pela morte de seu bicho como se fosse por uma pessoa. Sendo assim, essas pessoas se sentem incompreendidas, muitas vezes suprimindo seu luto. A morte de um ente amado é uma das dores mais intensas que o indivíduo pode experimentar, e os sentimentos causados pela morte de um animal de estimação podem gerar sofrimento comparável à morte de uma pessoa querida. Há estudos que apresentam esse paralelo, evidenciando que pessoas ficam tão perturbadas que são incapazes de realizar suas atividades rotineiras, sentem angústia, choro fácil e intenso, insônia, outras reações fisiológicas, depressão etc. - reações comumente encontradas em enlutados pela morte de outras pessoas.

A citação a seguir exemplifica as questões referentes a esse tipo de preconceito: “Toda sociedade possui um conjunto de normas sociais de comportamento, baseadas na cultura dessa própria sociedade. Entre essas regras, estão as referentes ao luto. Elas definem determinados padrões de comportamento, quais são as perdas passíveis de luto, quem tem legitimidade de enlutar-se e quais os comportamentos adequados para a vivência dessa realidade. No entanto, essas regras sociais que têm caráter coletivo podem não corresponder aos valores e sentimentos inerentes aos integrantes dessa mesma sociedade” (Carolina Alves de Sousa Lima).

Nos Estados Unidos, existe o grupo de apoio Association for Pet Loss and Bereavement ("Associação para a Perda e Luto de Animais de Estimação", em tradução livre). O que você acha dessa iniciativa?

Acho fantástica. A postura que devemos ter diante de uma pessoa que sofre a morte de seu animal não tem de ser diferente da que temos perante uma pessoa enlutada pela morte de uma pessoa querida. Essas pessoas estão fragilizadas e precisam de acolhimento e respeito a sua dor. Criar espaços para que elas se expressem e discutam a vivência de seu luto é um passo bastante importante, pois essa vivência necessita ser verbalizada e trabalhada. Preparar os profissionais da veterinária também é fundamental, pois são geralmente quem acompanham as famílias e todo o processo de morte do animal, e o atendimento necessita ser diferenciado. Tenho conhecimento de que existem clínicas veterinárias no Brasil, embora muito restritas, que já contam com serviços especializados de psicologia justamente para trabalhar com tutores que vivenciam o luto.

Em casos de eutanásia, como lidar com a culpa?

A culpa é um sentimento quase que inerente à prática da eutanásia, mesmo diante de uma doença grave do animal. É importante que, para a elaboração desse sentimento diante dessas situações, a pessoa possa refletir sobre o que levou à decisão da eutanásia, como estava a vida de seu animalzinho, que por mais gostoso que fosse ter ele ao seu lado, o animal vinha sentindo dor, sofrimento e total perda da qualidade de vida, e além disso, que a pessoa fale sobre esse sentimento, pois muitas vezes essa conscientização não é suficiente.

Alguns escolhem ter um novo animal logo após a perda. Essa prática ajuda ou é mais um subterfúgio para não viver o luto?

Pode ajudar ou ser uma fuga do sofrimento, não existe uma regra para isso, vai depender de cada caso e é importante analisar qual a verdadeira intenção em ter um novo animal. Ocorre muitas vezes de “oferecerem” um novo bichinho para a pessoa que perdeu seu animal, ou ela própria opta por isso, pensando que assim não sofrerá ou sofrerá menos. Então, se a pessoa vai ou não ter um novo animalzinho, o importante mesmo é ter consciência de que rejeitar ou suprimir o luto não auxilia em sua elaboração.

Qual a importância de vivenciar o período do luto?

Como citei anteriormente, a experiência do luto é necessária para a superação da perda e para a reorganização psíquica e social do enlutado, ainda que seja dolorosa e muitas vezes dilacerante.

O que fazer para amenizar a dor da perda?

Utilizar-se de mecanismos para evitar a dor pode complicar o processo de elaboração da perda. O ideal é que a pessoa possa se expressar e chorar se assim o quiser, pois essas atitudes podem contribuir para a elaboração da perda. Com o tempo, pode ir retomando suas atividades, sair com amigos e familiares etc. Se a pessoa não quiser falar, interagir ou sair de casa, não force, mas se coloque à disposição para escutá-la e acolhê-la e esteja atento a suas reações.

Didaticamente falando, mas sabemos que na prática não é tão linear ou simples assim, as “tarefas” na elaboração do luto são as seguintes: aceitar a perda, ter consciência do falecimento; expressar seus sentimentos; tentar se ajustar às mudanças e retomar suas atividades; guardar boas lembranças e se permitir fazer planos e olhar para o futuro.


*Maíra Simeão (CRP: 11/4844) é graduada em psicologia, possui pós-graduação em psicologia e práticas de saúde, formação em análise do comportamento, psicoterapia breve, tanatologia e capacitação em psicologia hospitalar. Desenvolve atividades na área da psicologia clínica na abordagem analítico-comportamental e apoio em situações de luto, com atendimento em consultório, domiciliar e hospitalar de crianças, adolescentes, adultos e idosos. Possui experiência em plantão psicológico e na área hospitalar com hemodiálise e transplante renal.


Imagem: filme Todos os Cães Merecem o Céu (1989) / Reprodução

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