Qual a diferença?


Fotos: Pixabay (com exceção do peixe: Free Images)




Por Paulo Furstenau*


21 de maio de 2016, Chile. Homem invade jaula de leões em zoológico com o propósito de morrer, mas quem perdeu a vida foram dois leões, sacrificados para salvar o suicida. 

29 de maio de 2016, Estados Unidos. Criança ultrapassa limites não permitidos em um zoológico e cai dentro do poço onde vivia um gorila. O animal, pertencente a uma espécie em extinção, é abatido para resgatar o garoto.

14 de junho de 2016, Estados Unidos. Menino, brincando na beira do lago de um parque de diversões, é arrastado por um jacaré. Cinco jacarés são capturados e mortos na busca pelo corpo da criança.

20 de junho de 2016, Brasil. Onça-pintada, outro animal em extinção, mantida em cativeiro dentro de zoológico do Exército e regularmente exibida a turistas e em programas de televisão, é a mais recente vítima da ignorância humana. A última "espetacularização" do animal aconteceu durante o evento da passagem da tocha olímpica. Em um claro momento de estresse devido à clausura diária e exposição frequente a que era submetida, a onça tentou fugir para a liberdade e acabou atacando um soldado. Mais uma morte - do animal.

No intervalo de um mês, nove animais tiveram suas vidas perdidas estupidamente. Nove? Não. Essas foram as mortes que chegaram até os noticiários. E quantos animais perecem diariamente em todo o mundo, em "atrações" como zoológicos, circos, parques de diversões, aquários, rodeios, rinhas, touradas etc. etc.? 

Ah, você é contra rodeios, rinhas e touradas? Mas leva seu filho para zoológicos, circos e shows de golfinhos? Tira selfies com tigres e anda sobre elefantes quando viaja? Pois saiba que todas essas "atrações" podem ser descritas resumidamente pela mesma palavra: exploração. 

Todos esses animais foram tirados de seus habitats, de suas famílias, e passam o resto de suas vidas confinados e submetidos a diferentes tipos de maus-tratos. Saiba mais a respeito aqui.

(Sim, existem projetos que resgatam animais de situações de risco, como tráfico de animais silvestres. Mas os projetos realmente sérios recuperam esses bichos, fazem um trabalho de readaptação e os reintroduzem na natureza quando estão aptos, para que voltem a viver como os animais silvestres que são, e não os mantêm presos para exibição. Outros erros de alguns que até podem ser bem intencionados são a tentativa de humanização desses animais ou torná-los bichos de estimação.)

Ah, mas você nunca gostou mesmo de zoológico nem circo porque sabe que os animais ali não são nada felizes, apenas maltratados, e você adora animais? E comeu um churrasco no domingo? Ou apenas um peito de frango grelhado porque está de dieta? Lamentamos informar, mas você não gosta de animais. Sim, você pode curtir cachorrinhos e gatinhos, mas por que ama uns animais e come outros? O que faz você pensar que uns têm direito à vida, enquanto outros têm o dever de passarem um verdadeiro inferno até serem mortos para que você possa comê-los? 

Incoerência e cultura

                                             Babe - O Porquinho Atrapalhado (Babe, 1995)


Todas as notícias citadas no início desta postagem causaram grande comoção entre as pessoas "de bem". Manifestações indignadas nas redes sociais, comentários de ódio contra os zoológicos, emoticons de raiva e de choro, publicações e compartilhamentos de desenhos, gifs etc. etc. Vindos, em sua grande maioria, de pessoas que defendem onças, leões, gorilas e jacarés, adotam cães e gatos, mas comem vacas, porcos, galinhas e peixes, apenas para citar os mais comuns em nossa cultura. 

E por falar em cultura, por que se escandalizar com o Festival de Yulin, na China, outro assunto que vem causando protestos nas redes sociais? Para os chineses, é comum comer cachorro. Para os brasileiros e praticamente todo o resto do mundo, é normal comer hambúrguer de vaca e cachorro-quente de porco, apenas para citar dois exemplos bem corriqueiros. Por que essa indignação seletiva? Para nós, da causa animal, isso é incoerência e hipocrisia.

Cultura não pode ser justificativa para a tortura e extermínio de vidas inocentes e tão preciosas quanto quaisquer outras. Apenas para ilustrar mais um pouco, você sabia que os porcos (que você come) são ainda mais inteligentes e afetuosos que os cachorros (que você afaga)? Que as vacas têm laços de amizade entre elas? Que as galinhas possuem estruturas sociais complexas? E todos eles, todos os animais, são sencientes?

"Não é mais possível dizer que não sabíamos", declarou o neurocientista canadense Philip Low, sobre por que pesquisadores se uniram para assinar manifesto que admite a existência da consciência em todos os mamíferos, aves e outras criaturas. A frase é uma alusão ao holocausto, como ficou conhecido o massacre de cerca de seis milhões de judeus e mais cinco milhões de pessoas de outros grupos (ciganos, comunistas, homossexuais, deficientes físicos e mentais etc.) perseguidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas no primeiro trimestre de 2016, e somente contando-se dados oficiais de estabelecimentos sob inspeção federal, estadual ou municipal, foram mortos 7.293.000 bois (isso mesmo, mais de sete milhões), 10.061.000 porcos (isso mesmo, mais de 10 milhões) e 1.480.621.000 frangos (isso mesmo, quase um bilhão e meio). Apenas em três meses, em um país, números oficiais. Animais sencientes, que sentem medo e dor como nós, humanos. 

Não caia na enganosa, e já contraditória em si mesma, expressão "abate humanitário", que alguns pecuaristas e mídia tentam empurrar. Só não chamamos isso de "conversa para boi dormir" porque seria uma ironia cruel com esses bichos. Como pode haver humanidade em um abate? O documentário A Carne É Fraca (2004), produzido pelo Instituto Nina Rosa, mostra os bastidores da indústria da carne (inclusive aviária) e toda a crueldade envolvida no processo. E todas as imagens ali vistas foram filmadas dentro dessas empresas de "abate humanitário". Clique no link acima, assista ao vídeo e imagine então como devem ser os abates não humanitários. 

(Recomendamos outro doc essencial: Terráqueos (Earthlings, 2005), narrado pelo ator Joaquin Phoenix e com música de Moby, ambos veganos e ativistas da causa animal. E o portal Vista-se tem uma seção de filmes com esses e muitos outros títulos importantes sobre o tema.) 

O que são então todos esses aprisionamentos, torturas e mortes de vidas inocentes e sencientes senão um holocausto, vivido diariamente? Por que amar uns e comer outros? E vê-los aprisionados ou treinados para fazer o que os humanos querem, após serem maltratados para isso? E usar seus couros e peles? Isso se chama especismo, o equivalente ao racismo e sexismo: alguns consideram sua raça superior a outra(s), e a(s) dominam; alguns homens se acham superiores às mulheres, e as dominam; alguns animais "racionais" se consideram superiores aos animais "irracionais", e os dominam. Tanto os especistas quanto os racistas e sexistas, por se julgarem superiores, acreditam que os membros daquele grupo "inferior" devam ser explorados para lhes servir, sendo a violência um método válido para obter esse resultado. 

O termo 'terráqueo' significa "pertencente ou relativo ao globo terrestre", não fazendo, conforme lembra o filme sugerido acima, qualquer distinção de raça, sexo ou espécie, pois todos temos o mesmo direito de viver livres e bem no planeta Terra - somos todos iguais. Pense nisso. Reflita. Faça a conexão.


Todos nós podemos

                                                        Armandinho, de Alexandre Beck


Sim, você pode, todos nós podemos fazer nossa parte - pelos animais, por nós, pelo planeta. A grande maioria das pessoas que hoje luta pelos direitos dos animais nasceu em um ambiente e época de desinformação. Nós frequentamos zoológicos na infância e comíamos carne. Mas, em algum momento da vida, algo aconteceu que nos deu um estalo, nos fez ver que por trás daquelas carnes nas bandejas nos supermercados houve vidas de extremo sofrimento, nos demos conta de que aquelas carnes são os cadáveres de animais inocentes e sencientes (veja este vídeo da ONG PETA). E decidimos mudar nossos hábitos. Isso se chama conscientização

Deixar de frequentar zoológicos, circos e outras atividades exploradoras de animais, seja onde vivemos, seja durante viagens, é fácil, afinal, há tantos programas bem mais interessantes para se fazer sozinho, a dois, com amigos ou em família: praias, trilhas, esportes, parques urbanos, parques nacionais, cinemas, teatros, exposições, shows etc. etc. 

Trocar roupas e acessórios de couro e pele por tecidos sintéticos e feitos de algodão também é uma mudança bem simples. 

Mudar os hábitos alimentares pode parecer mais difícil, mas não é. Comece não "apenas" sentindo compaixão por aqueles animais que morreram e pelos que não precisam continuar morrendo, mas também pensando em como a alimentação vegetariana é saudável, bonita, colorida, cheia de vida (e já foi provado que é a dieta mais saudável para os humanos). Tornar-se vegetariano é tirar a morte de seu prato e colocar nele a vida.

Aqui no blogue, sempre escrevemos ou compartilhamos notícias sobre o veganismo (que engloba não apenas a alimentação vegetariana estrita, mas também vestuário sem couro e peles e não uso de produtos de empresas que façam testes em animais) e encerramos dando algumas dicas para que as pessoas possam dar seus primeiros passos em uma vida saudável e consciente. Sobre o sabor e beleza da cozinha vegetariana estrita (sem qualquer tipo de carne ou derivados como leite, ovos e mel), confira aqui uma lista com dezenas de sites e livros de receitas.

Já a Revista dos Vegetarianos é uma publicação mensal (impressa e on-line) com excelente conteúdo que vai bem além de receitas, focando a saúde como um todo.

O Mapa Vegano lista diversos estabelecimentos em todo o Brasil, abrangendo produtos e serviços de alimentos e bebidas, higiene e beleza, roupas e acessórios, ONGs e outros.

Informação é o primeiro passo para qualquer mudança. Aprenda com quem já conhece e vive o assunto: pergunte, pesquise. Use as redes sociais para expandir seu conhecimento sobre vários temas, inclusive esse, que é vital para você e um imensurável número de vidas inocentes. Há diversos grupos no Facebook. Listamos abaixo alguns deles:

VegAjuda - Veganismo disponibiliza um tópico fixo com uma lista de produtos (não só para alimentação) livres de crueldade animal e oferece sempre diversas dicas para iniciantes e "veteranos";

Veganismo é um dos maiores grupos sobre o tema no Facebook, com quase 50 mil membros sempre compartilhando experiências e tirando dúvidas; 

Veganismo Popular e Veganos Pobres Brasil desmitificam a ideia de que veganismo é caro. É perfeitamente viável seguir uma alimentação diária sem crueldade animal e sem maltratar o bolso;

Musculação Vegana é voltado para os praticantes de atividades físicas. Nele, você pode ver como é preconceituosa e errada a ideia que algumas pessoas tentam propagar, de que vegetarianos estritos são fracos fisicamente (muito pelo contrário, são mais fortes e saudáveis). O grupo oferece diversas dicas de alimentação e suplementação vegana.

Essas são algumas dicas. Na vasta internet, é possível encontrar muito mais. Sabemos que mudanças de hábito são difíceis, mas todos que optaram por qualquer mudança deram o primeiro passo em algum momento da vida. E mudanças podem ser graduais. Comece aos poucos, dê um passo de cada vez. 

Sabemos que, por enquanto, somos minoria e ouvimos todo tipo de zombarias dos ainda não esclarecidos. Piadinhas que são sempre as mesmas, simplesmente porque essas pessoas não têm argumentos sólidos para nos contestar e infelizmente alguns indivíduos se ressentem de outros que conseguiram mudar suas vidas para melhor. Por isso mesmo, essa incompreensão não deve nunca ser um motivo para você deixar de mudar seus hábitos - ao contrário, deve ser um estímulo para persistir e ainda conscientizar aqueles ao seu redor que ainda não têm o conhecimento que você tem. Recentemente, compartilhamos uma postagem que traz algumas boas respostas para rebater os chavões dos ignorantes (inclusive o ridículo, totalmente equivocado e refutado cientificamente "somos o topo da cadeia alimentar) e começar a lhes ensinar - veja aqui

Ressaltamos que, embora o número de consumidores de carne no mundo ainda seja maior, a quantidade de vegetarianos vem crescendo significativamente - e, ao contrário do que alguns afirmam, não é modismo. Haja vista, no Brasil, a maciça propaganda que as grandes empresas pecuaristas vêm fazendo, indicando sua preocupação com o mercado que estão vendo perder.

Tenha sempre em mente que, acima de tudo, abraçar o veganismo é uma mudança e tanto, que fará um imenso bem - para você, para os animais e para o planeta.


*Paulo Furstenau é jornalista voluntário da Associação Natureza em Forma

2 comentários:

  1. Eu só tenho uma coisa a dizer. .nenhuma vida é mais ou menos importante pra Deus ..só o ser humano tem essa ilusão e por isso paga pelos seus erros ..

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  2. Muito bom, Paulo, uma verdadeira aula sobre aquelas decisões que tomamos diariamente, quase sem pensar, mas que fazem toda a diferença - entre a vida ou a morte - para outros seres nossos irmãos.Um bom e completo tema para salas de aula;
    nina rosa

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